Cinco pessoas dizem ter sido libertadas por um grupo armado que as sequestrou em Cabo Delgado, norte de Moçambique, e descreveram o interior da insurgência que assola a região, relataram ontem à Lusa residentes que as receberam.
"Cinco pessoas chegaram aqui à vila sede de
Nangade", com sinais de subnutrição por terem passado fome, referiu um dos
habitantes deste distrito, delimitado a norte pelo rio Rovuma, que faz
fronteira com a Tanzânia e que tem sido fustigado por ataques desde o início do
ano.
"Elas chegaram no sábado: estavam desaparecidas e após
tanto tempo sem sabermos delas, estão aqui. Disseram que estavam nas matas com
terroristas e que eles decidiram libertá-las", mas sem explicações
detalhadas.
As cinco pessoas tinham sido raptadas em setembro de 2020
quando tentavam pescar na lagoa Nangadinji, a três quilómetros da sede
distrital. Agora chegaram pelo seu próprio pé, três homens e duas mulheres, uma
das quais reencontrou a filha menor que deixou na altura com apenas 6 meses de
idade, descreveu um familiar.
Questionados sobre a decisão dos insurgentes, de as
libertar, suspeitam que o grupo armado se queira reagrupar, deixando para trás
quem não integra o núcleo duro. "Dizem que eles têm receio dos que fogem,
que os possam denunciar e, por isso, preferem ficar só entre eles",
acrescentou a mesma fonte.
As vítimas passaram por quatro bases dos rebeldes nos
distritos de Nangade, Macomia, Muidumbe e Palma, percorrendo as distâncias com
os insurgentes, a pé, sob controlo e quase sem condições de sobrevivência.
"Andavam a pé e bem controlados", disse,
acrescentando que o comportamento das vítimas mostra sinais de trauma e
necessidade de apoio psicológico.
Segundo relataram, durante o primeiro ano alimentavam-se de
comida furtada de casas abandonadas após ataques na região, mas quando as
forças militares "apertaram o cerco", a mandioca e o milho dos campos
passou a ser a principal fonte de alimento.
"Mas o milho só servia para mastigar ou torrar, pois
não tinham como moer", o que contribuiu para as deixar magras e com sinais
de subnutrição à chegada a Nangade.
Uma outra fonte contou à Lusa que, segundo os relatos dos
três homens, eram eles que "carregavam material bélico dos
terroristas" e "as duas mulheres eram submetidas a violação
sexual" - só não engravidaram porque "tinham colocado um método
contracetivo".
Um outro residente disse que Nangade continua a receber
pessoas em fuga das aldeias do distrito com receio de ataques e sequestros.
"A situação continua má e a vila continua a receber pessoas que fogem
porque os terroristas estão por aí", descreveu.
Em fevereiro, uma equipa de militares moçambicanos e
parceiros africanos foi destacada para Muia, ao mesmo tempo que a vila de
Nangade servia de ponto de passagem para deslocados chegarem a outros locais da
província.
Aquele distrito tem sido alvo de vários ataques de rebeldes
desde o início do ano. Nangade está entre duas partes distintas de Cabo
Delgado: a nascente faz fronteira com Palma e Mocímboa da Praia, palco dos
principais confrontos, e do lado poente com Mueda, que tem servido de refúgio
para milhares de deslocados.
À medida que a ofensiva apoiada pelo Ruanda e Comunidade de
Desenvolvimento da África Austral (SADC) avança, desde julho de 2021,
suspeita-se que também os rebeldes fogem para distritos e províncias vizinhas.
A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas
aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados
pelo grupo extremista Estado Islâmico.
Há 784 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED. (Lusa)
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