Quando em finais dos anos 90 do século XX, surgiram quantidades enormes de haxixe ao longo da costa moçambicana, concretamente na província de Inhambane, e que viria a levar os emergentes agentes comerciais locais com livre trânsito para a prosperidade económica e outros a transformarem-se em políticos e dirigentes provinciais e municipais, ninguém imaginava que aquilo era prenúncio de uma hecatombe maior nas décadas subsequentes.
E hoje, já não é novidade para ninguém que Moçambique para
além de ser um corredor apetecível e de fácil penetração dos traficantes
internacionais, nos últimos anos também vem produzindo grupos distintos de
traficantes de drogas com diferentes formas de actuação e protecção política,
policial e alfandegária.
Esta situação fortificou as linhas da nossa investigação jornalística na última terça-feira (12) ao longo da Estrada Nacional (EN1), quando um autocarro de transporte interprovincial que partiu de Pemba com destino à cidade de Maputo acabou sendo interpelado pelas autoridades policiais e de fiscalização rodoviária no distrito de Murrupula, na província de Nampula.
De fontes fidedignas e que por razões de segurança pediram
anonimato, "Carta" apurou que o autocarro transportava quantidades
avultadas de drogas pesadas do tipo heroína escondida nas bagageiras do
autocarro de uma das transportadoras mais sonantes no ramo e que por sinal
levava 68 passageiros.
"Seguiram-se mais de quatro horas de negociação",
contou uma fonte. Até que se chegou a um acordo, em que os agentes foram pagos
subornos estimados em mais de 100 mil Meticais e deixaram passar os portadores
da droga. Insatisfeitos com a situação, alguns agentes denunciaram o caso às
autoridades policiais no distrito de Mocuba, na província da Zambézia, que
instalaram um roadblock no seu perímetro de controlo, tendo interceptado a
viatura e detido o motorista, o cobrador e os seus ajudantes.
Dados em nossa posse indicam que, devido à sua localização,
o distrito de Mocuba é epicentro de grupos de género na província da Zambézia,
tal como são os casos de Nacala-Porto, Angoche, Memba e cidade de Nampula, na
província do mesmo nome.
A nossa investigação apurou que as drogas chegam a circular
em chapa 100 e em alguns serviços de táxi, em Pemba, Quissanga, Mocímboa da
Praia e Montepuez, em Cabo Delgado, na Cidade da Beira, em Sofala e nas
províncias de Inhambane e Gaza, e com grande incidência nas cidades de Maputo e
Matola.
De fontes devidamente posicionadas, explicaram a nossa
reportagem que, nos últimos tempos, os traficantes de drogas subornam agentes
altamente patenteados de determinadas cidades e províncias que viajam com a
mercadoria de um ponto para outro, como se estivessem a transportar bens
pessoais e qualquer interpelação policial acaba terminando em saudações e
conversas, sem que o agente em serviço faça vistoria da referida viatura.
Facto curioso é que o último relatório da avaliação nacional
dos riscos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo,
divulgado em Março do presente ano pelas autoridades moçambicanas, reforça os
estudos anteriormente divulgados por organizações como a Global Initiative
Against Transnational Organized Crime (GITOC), que por várias vezes apontaram
as rotas preferidas dos grupos do narcotráfico.
A par desta realidade, em 2018, um estudo divulgado pelo
pesquisador Joseph Hanlon revelou que, através do WhatsApp, a heroína
transformou-se no segundo produto mais exportado em Moçambique com valores que
rondam entre os 600 a 800 milhões de USD em cada ano e que deste valor 100
milhões de USD permanecem no país. Na altura, a heroína só perdia com a
exportação do carvão mineral de Moatize, na província de Tete.
Aliás, há dias, Hilário Lole, Porta-voz do Serviço Nacional
de Investigação Criminal (SERNIC) na cidade de Maputo, revelou que as
autoridades estavam preocupadas com o aumento de pessoas envolvidas no tráfico
de drogas na urbe e o surgimento de novos modos de actuação dos grupos nos
últimos dois anos.
Só na cidade de Maputo foram autuadas 394 pessoas, das
quais, 13 estrangeiros detidos no Aeroporto Internacional de Maputo e nas Estradas
nacionais e noutros locais.
Dados do relatório da avaliação dos riscos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (2022) indicam que, entre 2015 a 2019, foram investigados cerca de 1182 casos sobre o tráfico de drogas. Destes foram acusados 760 e condenadas 482 pessoas entre nacionais e estrangeiros. (O.O.)
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