Enquanto o Chefe de Estado reitera o seu compromisso de combater veementemente a corrupção, os números continuam a ilustrar outra realidade, revelando, aliás, a entrada de novos actores no crime que deflagra as contas públicas e perpetua cada vez mais a miséria.
Dados divulgados esta quarta-feira pela Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, no âmbito da apresentação do seu Informe Anual à Assembleia da República, indicam que, em 2021, os casos de corrupção aumentaram, tendo resultado na tramitação de 1.913 processos, contra 1.882 registados em igual período anterior, correspondendo a um aumento de 1,6%.
Do número total de processos tramitados, apenas 1.299 foram acusados, contra 1.242 de 2020, representando um aumento de 4,6%. Entre os crimes mais frequentes, o de corrupção activa registou 616 casos, seguido de corrupção passiva para acto ilícito, com 282; peculato, com 151; abuso de cargo ou função, com 112; simulação de competência, com 42; corrupção passiva para acto lícito, com 38; e branqueamento de capitais, com 13 processos.
Segundo a PGR, a Polícia da República de Moçambique (PRM) lidera a lista das entidades públicas mais corruptas do país, com 73 processos, seguida do sector da Justiça, com 42; da Educação, com 39; da Saúde, com 24; do Serviço Nacional de Migração (SENAMI), com 17; e da Autoridade Tributária de Moçambique (AT), com 14.
Trata-se, na verdade, da confirmação do que já é quase de domínio público. Vídeos amadores têm sido divulgados nas redes sociais com agentes da PRM, em particular da Polícia de Trânsito, a fazer cobranças ilícitas aos condutores, sobretudo dos transportes semi-colectivos.
Venda de passaportes moçambicanos nos Consulados
No Informe apresentado ontem aos deputados, Beatriz Buchili revelou haver casos de venda de passaportes moçambicanos a cidadãos estrangeiros, a partir dos Consulados de Moçambique, Alto-Comissariados e do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação. Claro, o SENAMI também não fica atrás.
“A título de exemplo, no Processo nº 76/11/P/GCCC/2018, são indiciados de cobranças ilícitas, servidores públicos do SENAMI; dos Consulados de Moçambique, em Nelspruit, Joanesburgo e Durban; do Alto Comissariado de Moçambique, em Pretória; e do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, num esquema de emissão irregular de vistos de entrada em Moçambique, sem os requisitos exigíveis”, enumera a fonte, sublinhando que estas condutas podem contribuir para a entrada de indivíduos ligados à criminalidade violenta e organizada, com destaque para o terrorismo.
A prática de venda de passaportes e vistos moçambicanos não é nova, porém, era frequente entre funcionários e dirigentes do SENAMI, como é o caso da antiga Porta-voz da instituição, Cira Fernandes, que foi acusada, em 2018, de estar envolvida num caso de atribuição de 17 vistos falsos a igual número de cidadãos nigerianos.
Cresce número de magistrados corruptos
Segundo a Procuradora-Geral da República, as magistraturas do Ministério Público e Judicial também estão infestadas de corruptos, numa lista que inclui juízes, procuradores, oficiais de justiça e assistentes de oficiais de justiça.
Em 2021, foram tramitados 25 processos-crime contra magistrados, contra 22 instaurados em 2020, o que representa um aumento de três processos. Do total de processos tramitados, 14 são da Magistratura Judicial, nove da Magistratura do Ministério Público e dois da Magistratura Judicial Administrativa, todos por suspeita de prática de crime de corrupção e peculato. “Finda a instrução, foram acusados seis magistrados, sendo dois do Ministério Público e quatro do judicial e, em relação aos demais, prossegue a instrução preparatória”.
Lembre-se que, em Dezembro último, o Conselho Superior da Magistratura Judicial demitiu e aposentou compulsivamente o juiz da 7ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, Rui Dauane, por falta de seriedade e honestidade, suspeitando-se haver indícios de corrupção por parte do magistrado. Também expulsou o juiz de Matutuíne, Acácio Mitilage, por desvio de fundos e a escriturária judicial Gilda Marlene, do Tribunal Judicial de Matutuíne, pelos mesmos motivos.
“Esta realidade remete-nos à necessidade de reforço de acções de prevenção e combate, e melhoria constante da imagem do nosso país, como uma sociedade, onde prevalecem valores da integridade, transparência e moralidade”, defende Buchili.
Segundo Buchili, a corrupção lesou o Estado, em 2021, em cerca de 303.445.601,7MT, contra 556.293.879,01MT registados em 2020. No entanto, apenas 243 gestores foram sancionados no ano passado, tendo-lhes sido aplicadas multas que totalizaram 8.431.552,11MT.
Refira-se que desde a sua chegada ao poder, em 2015, Filipe Jacinto Nyusi tem prometido reiteradamente combater a corrupção, porém, o quotidiano ilustra outra realidade: as Unidades Gestoras Executoras de Aquisições (UGEA), por exemplo, continuam em festa, sendo as principais fontes de renda de muitos servidores públicos, nos processos de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado. (A.M.)
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