Numa sociedade em que as crenças e hábitos culturais ainda são fortes como a nossa, estar diante de um profissional que busca entender comportamentos e aplica métodos científicos para compreender a psique humana no tratamento e prevenção de doenças mentais ainda é um desafio.
Lóurman Nhaueleque é um jovem psicólogo que até a 12ᵃ classe não sabia em que área se formaria, mas já tinha certeza que não seriam as ciências exactas. Em entrevista ao Contos Achados Nhaueleque conta algumas experiências vividas ao longo do seu percurso como psicólogo. O nosso entrevistado além de falar um pouco do seu tempo de escola, comenta ainda sobre a postura da juventude moçambicana perante alguns desafios que afectam a sociedade actualmente.
Contos Achados - CA: Quando olha-se para a sua caminhada percebe-se que foi pulando de área em área até terminar na psicologia. Ser psicólogo sempre foi um sonho?
Lóurman Nhaueleque – LN: Na verdade não. Enquanto ainda estava no ensino secundário, escreví-me para um curso de inglês e quando conclui provavelmente ainda na décima ou decima segunda classe, passei a dar aulas na escolinha onde eu estudava foi nesse período em que desenvolve a habilidade de me comunicar com pessoas desconhecidas e enquanto dava aulas de inglês, decide fazer uma formação diferente do seguimento das letras que foi a montagem e reparação de computadores. Mas algo curioso aconteceu quando terminei essa formação, tal como aconteceu com o inglês, fui convidado á leccionar. Contudo, voltei a dar aulas de inglês depois de um certo período, mas num contexto mais desafiador, num centro de formação de destaque a nível do país e enquanto isso cursava em psicologia.
CA: Qual foi o campo da psicologia que decidiu seguir?
LN: No princípio estive interessado em seguir a psicologia forense, aplicada ao contexto da criminologia, mas infelizmente não temos essa vertente em Moçambique e as condições não permitem que um jovem simplesmente decida fazer essa formação fora do país sem ter algum auxílio. Acabei recorrendo a área mais próxima que existia, falo da psicologia organizacional que tecnicamente lida com comportamento do indivíduo num contexto laboral.
Ouça o áudio a entrevista completa em áudio aqui:
Ser psicólogo em Moçambique
CA: É fácil ser psicólogo em Moçambique?
LN: Fácil não é, por conta de algumas crenças religiosas e tradicionais que ainda estão muito assentes na nossa sociedade, mas uma barreira ainda muito forte para mim é o desconhecimento do que um profissional da área da psicologia de facto faz. Muitas vezes quando estou numa mesa de conversa, num convívio e digo que sou formado em psicologia, as pessoas mudam de comportamento, algumas chegam a fazer piadas e perguntam-me: o que é que estou a pensar agora? Como se nós os psicólogos lêssemos pensamento ou como se estivéssemos continuamente a estudar comportamentos. Há falta de esclarecimentos do que é um psicólogo faz e como ele intervêm. Outro entrave é o nosso sistema de crenças que muitas vezes esta associado a questão religiosa ou tradicional, apesar de que nos últimos tempos haver uma tentativa de se conciliar com essas esferas da vida do indivíduo com a ciência. Se alguém por exemplo acredita que a solução do seu problema esta na religião, nós não ignoramos esse facto, trabalhamos de modo a resolver a questão
. CA: E o que é um psicólogo?
LN: É um profissional responsável por três principais coisas, primeiro: estudar o comportamento do indivíduo (no sentido de analisar e compreender as sua disfuncionalidade). Segundo: fazemos a previsão. Se o indivíduo X é submetido a um determinado contexto, o X reagirá dessa forma (esse é um elemento muito explorado no campo de marking, onde se prevê o comportamento do consumidor. Por último intervimos diante das disfunções do âmbito psicológico.
CA: Disse que o Psicólogo é um profissional pouco conhecido em Moçambique. Quem tem o substituído na vida dos moçambicanos?
LN: Posso contar uma experiencia directa que tive em que alguém acreditava estar a ser vitima de feitiçaria no local de trabalho, aproximou-se a mim e disse que a fulana de X esta a enfeitiçar-me descreveu todo o cenário… mas uma parte interessante é que ela vinha ter comigo não no sentido de resolver o problema, mas sim para poder ter uma despensa de modo a que ela fizesse uma viagem de volta a sua terra natal e lá ela teria recursos tradicionais para resolver o problema. Nessas situações não confrotamos as crenças da pessoa. Quando notamos que a fé da pessoa pode comprometer o processo terapêutico, garantimos um cenário em que essas crenças são desacreditadas, mas é importante que haja um engajamento do profissional da psicologia de modo a não chocar com a fé do paciente. Para responder a sua pergunta, os que têm substituído o psicólogo são as igrejas e os curandeiros (médicos tradicionais).
CA: Essas duas alternativas trazem resultados saudáveis para a sociedade?
LN: Cientificamente diria que não, por uma razão muito simples, que é a dificuldade de se apresentar factos nesses ambientes. São sempre especulações ou elementos meramente baseados em crenças. Vou-lhe dar umdar um outro exemplo que vivi, num domingo, durante o culto, alguém da liderança da igreja profetizou algo interessante na vida de uma crente que assistia o culto. Disse o seguinte: irmã o homem que tu tens na tua vida não é o homem que Deus quer para ti. O homem que Deus quer para ti ainda virá.
CA: Essa profecia era para uma mulher casada? LN: Era sim, não sei em que contexto vivia, como era a relação com o seu parceiro, mas quando estás numa situação dessas em que alguém diz que esse não é o homem da sua vida e você acredita que tive uma revelação Divina, o seu comportamento muda em relação ao seu parceiro e a próxima pessoa que poderá manifestar interesse em se relacionar consigo, mesmo sendo um homem de má conduta, pode facilmente parecer um enviado de Deus, essa dificuldade de mostrar o verdadeiro cenário é que tem causado problemas e geralmente essas visões dos profetas ou curandeiros são ambíguas, carecem de elementos factuais.
CA: O moçambicano se interessa pelo psicólogo?
LN: A camada menos informada não recorre a esse profissional. Não é só uma questão simplesmente financeira é falta de esclarecimento. Há muitos com condições financeira favoráveis, mas que a sua crença esta na tradição e é o que seguem, mas também há muitas pessoas com condições financeiras desfavorável que gostariam de ter acesso a esse profissional, mas que não podem. Primeiro é preciso saber da existência do psicólogo, depois conhecer as áreas da sua intervenção, o que ele é capaz de fazer.
CA: O que falta para que mais pessoas saibam da vossa existência e importância?
LN: A base de tudo é a educação de uma sociedade. É no contexto da educação formal que são apresentadas as demais profissões. Quanto mais escolarizada é uma sociedade, mais esclarecida ela é. O índice de escolaridade em Moçambique é um problema, não só para a psicologia, mas para as demais ciências. Uma outra questão é político-administrativa, que seria a criação de condições de trabalhos atractivos para esses profissionais de forma a garantir que muito mais pessoas se interessem pala área.
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