António Carlos do Rosário, então
director da Inteligência Económica do Serviço de Informações e Segurança do Estado
(SISE)] Fazia chantagem emocional forte.(…) Ele estava sempre a referir que
tínhamos que ser patriotas e nós não devíamos estar a criar constrangimentos para
que os projetos avançassem
A imagem do falecido líder da
RENAMO, Afonso Macacho Marceta Dlhakama, foi um dos meios usados por um dos
principais réus do caso das dívidas ocultas para pressionar os quadros do Banco
de Moçambique (BM) por forma viabilizar os requerimentos para concretizar
aquele gigantesco esquema de corrupção. Depois de uma outra declarante o ter
feito na semana passada, esta segunda-feira, uma vez mais, a declarante Silvina
de Abreu acusou António Carlos do Rosário, então director da Inteligência
Económica do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), de a ter
pressionado, recorrendo, entre outros meios, à exibição da fotografia de
Dhlakama, apontando-o como ameaça à segurança nacional e por neutralizar com
urgência.
A administradora do Banco de
Moçambique Silvina de Abreu repetiu em tribunal que sofreu “chantagem emocional
e pressão” daquele quadro superior dos serviços secretos para dar parecer
favorável à contração das dívidas ocultas, sob o argumento de serem de
“importância estratégica”. “Senti esses
aspectos todos na minha pele, tenho essas sequelas e até aqui o assunto me
persegue”, afirmou Abreu.
A administradora do Banco de
Moçambique falava como declarante no julgamento do processo principal das
dívidas ocultas que decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, a
funcionar excepcionalmente nas instalações do Estabelecimento Penitenciário Especial
de Maputo, vulgo Brigada Operativa (BO), no bairro da Machava.
Silvina de Abreu detalhou que a
“chantagem emocional e psicológica” foi exercida por António Carlos do Rosário,
então director da Inteligência Económica do Serviço de Informações e Segurança
do Estado (SISE) e arguido no caso. “Fazia chantagem emocional forte. (…) Ele
estava sempre a referir que tínhamos que ser patriotas e nós não devíamos estar
a criar constrangimentos para que os projetos avançassem”, afirmou Abreu.
O então director da Inteligência
Económica do SISE, prosseguiu, descrevia os projectos usados para contrair as
dívidas ocultas como de “importância estratégica para a defesa da soberania da
pátria e do nacionalismo económico do país”.
Numa das ocasiões, António Carlos
do Rosário mostrou uma foto de Afonso Dlhakama, defunto líder da Resistência
Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição, ao lado de um
helicóptero e de um “homem de raça branca”, como alegada prova de que o país
estava a ser alvo de acções hostis movidas a partir do estrangeiro.
Na altura, Moçambique vivia uma
tensão política e militar na sequência da recusa da RE[1]NAMO em aceitar a
derrota nas eleições gerais de 2009. Essas supostas actividades subversivas
precisavam de ser travadas através de um melhor apetrechamento das capacidades
de defesa e segurança do país, contexto que justificava a contração de dívidas,
continuou Silvina de Abreu, reconstituindo o ambiente dos encontros com António
Carlos do Rosário.
“Ele estava constantemente a insurgir-se
e a querer ter a resposta [em relação ao pedido de autorização do Banco de
Moçambique] pronta”, enfatizou Silvina de Abreu. Abreu declarou que o na altura
governador do Banco de Moçambique Ernesto Gove também deu nota à sua equipa de
assessores do carácter urgente da matéria relativa às dívidas ocultas, dada a
pressão que estava a ser exercida pelos serviços secretos.
“Recebi uma chamada do governador
Ernesto Gove para que tratasse [do assunto] de forma sigilosa, porque se
impunha sigilo por se tratar de uma matéria ligada à soberania do Estado”,
avançou.
Silvina de Abreu assinalou que
expressou dúvidas em relação a um segundo pedido de autorização do
financiamento da Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), dado que o regulador já
tinha anuído a favor de um primeiro empréstimo para a mesma companhia.
Questionada se o Banco de
Moçambique tinha competência para a autorização dos empréstimos das três
empresas beneficiárias das dívidas ocultas, dado que as mesmas tinham estatuto
jurídico de entidades privadas com garantias do Estado, Silvina de Abreu
salientou que a ela só competia emitir parecer “para consideração superior” do
governador do banco central.
Abreu explicou que os pareces
técnicos favoráveis emitidos pelos peritos do Banco de Moçambique tiveram em
conta a importância estratégica dos projetos que deviam ser financiados pelo
dinheiro das dívidas ocultas, taxas de juro, período de diferimento do
pagamento dos encargos e de amortização, bem como o potencial de geração de
divisas, através de exportações de bens e serviços que seriam criados pelas
empresas.
Silvina de Abreu era à data dos empréstimos diretora do Departamento do Estrangeiro, uma divisão do Banco de Moçambique responsável pela supervisão de operações financeiras com o exterior e é a terceira técnica superior do banco central a depor como declarante.
O Ministério Público moçambicano
considera que as empresas Proindicus, EMATUM e Mozambque Asset Management (MAM)
foram propositadamente criadas para servirem de ardis para a mobilização do
dinheiro das dívidas ocultas, que alimentaram um gigantesco esquema de
corrupção.
A justiça moçambicana acusa os 19
arguidos do processo principal de se terem associado em “quadrilha” e
delapidado o Estado moçambicano em USD 2,7 mil milhões - valor apontado pela
procuradoria e superior aos USD 2,2 mil milhões até agora conhecidos no caso -
angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo
Governo.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo do partido Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Emílio Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
leia mais Aqui: moçambique para todos
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