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Baladas de Amor ao Vento, excerto do primeiro capítulo do livro

 


Tudo começa no dia mais bonito do mundo, beleza característica do dia da descoberta do primeiro amor. Todos os animais trajavam-se de fartura, a terra era demasiado generosa. Na aldeia realizava-se a festa de circuncisão dos meninos já tornados homens. Jovens dos lugares mais remotos estavam presentes, pois não há nada melhor que uma festa para a diversão, exibição e pesca de namoricos, Eu estava bonita com a minha blusinha cor de limão, capulana mesmo a condizer, enfeitadinha com colares de marfim e missangas. Coloquei-me na rede para ser pescada, e porque não? Já era mulherzinha e tinha cumprido com todos os rituais. As mulheres atarefadas giravam para cá e para lá no preparo do grande banquete. O aroma das carnes excitava o o!facto, fazendo crescer rios de saliva em todas as bocas, desafiando os estômagos, e até as gengivas desdentadas já imaginavam um naco de carne, gordinho, tenrinho e sem ossos, empurrado com toda a arte por uma golada de aguardente. Os homens davam a mão aqui e ali, enquanto os outros preparavam esplanadas nas sombras dos cajueiros. Os tambores rufaram ao sinal do velho Mwalo, erguendo-se cânticos e aclamações. A porta da palhota abriu-se deixando sair cerca de vinte rapazes com aspecto pálido e doentio, provocado pelas duras provas dos ritos de iniciação. Os rapazes já tornados homens passavam entre alas como heróis. As velhotas aclamavam espalhando flores, dinheiro e grãos de milho que as galinhas se apressavam a debicar. Eu assistia ao espectáculo maravilhada quando descobri entre os rapazes um novo rosto. - Quem será? Rindau, conheces aquele ali? - É o filho do Rungo, o que vive no colégio dos padres. - Ah! Dissiparam-se-me as dúvidas. Era mesmo daquele rapaz que os velhotes falavam ontem à noite e eu, curiosa, ouvi tudo. Se eles descobrirem que escutei vão castigar-me à larga, pois em coisas de homens as mulheres não se podem meter.

Disseram que ele foi distinto e comportou-se lindamente mesmo nas provas mais difíceis. Aquela imagem maravilhou-me. Mesmo à primeira vista, o meu coração virgem estremeceu. Fiquei hipnotizada, com os olhos perseguindo os passos daquele desconhecido. Uma voz quebrou-me o encanto.

- Sarnau, Rindau, que fazem aí sentadas suas ..felhas? Retribui à Eni um olhar aborrecido, respondendo de maus modos: - É proibido ficar sentada?

- Wê, Sarnau, chocar ovos é para galinha chocadeira. Tira o rabo daí, tenho um segredo para ti. - Não me levanto. Estou a chocar ovos de pata. Vomita lá esse segredo e desaparece. Já sabia do que se tratava. Não sei quem convenceu o Khelu de que é um grande macho, mas ele quer namoriscar toda a gente. Eni ajoelhou-se, segurou o meu pescoço com as duas mãos, encostou os lábios aos meus ouvidos e segredou. Gritei bem alto para que ela desaparecesse dali.

Eni levantou voo e pude finalmente contemplar o meu encanto mas só por pouco tempo. Logo a seguir um bando de raparigas fez-me saltar do chão, arrastando-me até às traseiras da casa. - Sarnau, hoje é o dia de arranjar namorados. Em vez de estar ali a chocalhar, ponha-te à vista, ginga, rebola, para as moscas perseguirem as tuas curvas, menina. Olha, eu já arranjei um namorado, e que janota, amiga!

- Os meus parabéns, então.

- E tu o que esperas? Aposto que estavas a olhar para esse ranhoso filho do Rungo. Como se chama? Ah, é o Mwando. Pois digo-te, menina, estás a perder tempo, aquele está a estudar para padre. Fiquei furiosa. A Eni fora ao encontro dos meus pensamentos e ferira-me a forma como se referira àquele

jovem tão distinto. Coloquei as mãos nas ancas e vomitei todo um palavreado provocador, na intenção deaborrecer a minha adversária, enquanto esta, de olhar trocista, limitava-se apenas a murmurar: -Wê, Sarnau, não vale a pena tanta fanfarra. Hoje é dia de festa e não estou para guerrinhas. Tenho um vestido novo que não me apetece machucar. A malta incitava-nos para a luta, mas ao ver que o espectáculo estava perdido pois a Eni não se desfazia, todos se viraram contra mim. Todo o bando me rodeou e troçou. - Mas vocês ainda não viram? A Sarnau é pau de carapau. Nem curva no peito, nem curva no rabo, é estaca de eucalipto, mulher é que não, wâ, wâ, wâ! Fiquei zangada. Finalmente os marotos deixaram-me em paz e pude à vontade contemplar o meu ídolo e preparar planos de abordagem. Aque

le Mwando interessava-me, sim senhor. Aproximei-me dele, falei com doçura e, com muita indiferença, respondia às minhas perguntas. Frustradas as minhas tentativas, regressei a casa, entristecida. Pela primeira vez o sono custou-me a vir. Minha mente deliciava-se com a imagem que acabava de descobrir. Aquele olhar distante, penetrante, aquela voz serena ... e rosto sisudo! Bonito não era, comparado com o Khelu, esse zaragateiro, namoradeiro, sempre pronto a provocar qualquer escaramuça e esmurrar toda a gente. O Mwando é um rapaz diferente, fala bem, conversa bem e tem cá umas maneiras!... Estaria eu apaixonada? Ri-me e revirei-me na esteira. Achava graça àquilo tudo, pois nunca antes me tinha acontecido. Adormeci sorrindo…

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