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Guebuza pode sacudir a “poeira”

 


O Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava, vulgo BO, é, a partir de hoje, 23 de Agosto, palco de um evento que promete ser a maior atracção mediática dos próximos dias: o julgamento do caso “dívidas ocultas”. Trata-se de um processo jurídico, porém, com um impacto político forte, dadas as figuras envolvidas, e também porque, desde o início, pareceu dividir o Partido Frelimo em dois blocos, liderados pelo ex-Presidente da República, Armando Guebuza, e pelo Presidente em exercício, Filipe Nyusi.

As dívidas ocultas são uma espécie de “muro de Berlim” no partido no poder, uma vez que separam duas alas fortes: a ala pró-Guebuza e a pró-Nyusi. O facto de o julgamento do processo acontecer quase a meio do segundo mandato de Filipe Nyusi, atribui ainda mais importância ao mesmo, não só por já se discutir, ainda que não de forma aberta e declarada, a questão da sucessão, mas, e sobretudo, por haver a ideia de que o actual Presidente da República e do Partido Frelimo está disposto a tentar um inédito terceiro mandato. Essa possibilidade começou a ser levada mais a sério na IV Sessão do Comité Central da Frelimo, quando, segundo relataram alguns meios de comunicação social, Felizarda Paulino, que é membro do Conselho de Estado, lançou para o ar a ideia de uma revisão constitucional com vista a acomodar um hipotético terceiro mandato para o actual Chefe de Estado. Felizarda Paulino terá alegado que o actual timoneiro da nação não teve tempo para implementar as suas ideias de desenvolvimento, uma vez que terá virado as suas atenções para questões urgentes, como o terrorismo em Cabo Delgado e a pandemia da Covid-19. Até as declarações do secretário-geral da Frelimo, Roque Silva, segundo as quais “não queremos candidatos voluntários”, são interpretadas em alguns círculos de opinião, incluindo dentro do próprio partido, como estando numa lógica que visa assegurar a continuidade de Nyusi no poder, ou seja, pretenderá Roque Silva impedir o “surgimento” de figuras que possam ameaçar o alegado plano do actual Presidente da República. Mas a presença de Armando Guebuza no julgamento das “dívidas ocultas”, ainda que na condição de declarante, pode constituir-se num grande problema para os actuais detentores dos poderes estatal e partidário, podendo comprometer os seus possíveis planos de merecer confiança para um outro mandato. Se Guebuza já referiu, quando foi ouvido pela Procuradoria-Geral da República, que o “responsável” por questões operacionais e de financiamento do Sistema Integrado de Monitoria e Protecção foi Filipe Nyusi, é de se prever que, em sede da audição na BO, traga elementos fortes para comprovar a sua tese, não só para “limpar” a sua imagem, que parece estar manchada, mas também para responder àqueles que, segundo suas palavras, usam o sistema judiciário para mover uma campanha de “assassinato político” contra si. Aliás, o antecessor de Filipe Nyusi sempre deu a entender que, na sua opinião, o Tribunal é o melhor lugar para o esclarecimento de matérias ligadas às dívidas ocultas, em torno das quais alega haver “muita poeira”. “Eu penso que os tribunais são o melhor local para haver um pronunciamento sobre isso. Há muito boato, e muita poeira nisto tudo, mas muita poeira, alguma poeira que surge espontaneamente e outra que é mesmo provocada, com objectivos obscuros, mas eu acredito que a justiça deve ser feita e vamos deixar a justiça ser feita sem interferência de nós que temos consciência da importância de uma solução correcta deste assunto”, disse Guebuza, numa das poucas vezes que abordou o assunto publicamente. A confirmar-se este cenário, Filipe Nyusi seria, claramente, o maior derrotado, pois tornar-se-ia praticamente impossível concretizar o suposto plano do terceiro mandato. Para além disso, a sua reputação sairia de tal modo beliscada que nem lhe sobraria “credibilidade” para, eventualmente, influenciar a escolha, para candidato presidencial do partido, de uma figura que lhe possa ser “simpática”. Pelo contrário, esta situação poderá levar a que o poder regresse à ala de Guebuza, havendo receios de que possa haver, depois, uma espécie de “caça às bruxas”, basicamente o mesmo problema de que “Tchembene” se queixa desde que foi desencadeado o Processo 18/2019.

Entre 2014 e 2015, diversos analistas sugeriam que Filipe Nyusi era uma espécie de delfim de Armando Guebuza, pelo que a sua ascensão ao poder representava a continuidade do “guebuzismo”. É curioso, ainda assim, olhar para a composição do primeiro governo de Nyusi e perceber que já representava uma aparente ruptura em relação ao anterior elenco, de que também fizera parte, como ministro da Defesa. Há muito poucos nomes comuns entre as duas listas, nomeadamente: o já falecido Oldemiro Júlio Marques Baloi (ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação nas duas eras), José Pacheco (ministro do Agricultura e Segurança Alimentar nas duas eras), Carmelita Rita Namashulua (ministra da Administração Estatal nas duas eras; agora ministra da Educação e Desenvolvimento Humano), Vitória Dias Diogo (ministra da Função Pública na era Guebuza e do Trabalho, Emprego e Segurança Social na era Nyusi; actualmente secretária de Estado na província de Maputo), Agostinho Mondlane (vice-ministro da Defesa na era Guebuza e ministro das Pescas na era Nyusi) e Adelaide Amurane (ministra na Presidência para os Assuntos Parlamentares, das Autarquias e das Assembleias Provinciais na era Guebuza e da Presidência para os Assuntos da Casa Civil na era Nyusi). Para além do desaparecimento de alguns nomes importantes na era Guebuza, como é o caso do antigo Primeiro-Ministro Alberto Vaquina, que nem sequer conseguiu chegar ao Parlamento, em virtude de ter sido colocado como suplente na lista de candidatos pelo ciclo eleitoral da província de Gaza, há quem defenda que Nyusi tem privilegiado “homens de negócios” no Governo, em detrimento daqueles que se destacam pela sua militância no partido do “batuque e maçaroca”. Tudo isso pode ter contribuído para que as diferenças entre os dois eixos se aprofundassem, tendo ficado mais evidentes depois de despoletado o escândalo das dívidas ocultas, do qual alguns membros da organização podem ter se beneficiado (a PrivInvest diz ter financiado a campanha de Filipe Nyusi para as eleições de 2014). Num cenário de grande descredibilização, quer de um quer de outro Presidente, poderá, eventualmente, constituir factor de desequilíbrio o núcleo duro de que cada um se cercou no poder partidário e governamental. Neste capítulo, a balança parece pender para as hostes de Armando Guebuza, pois as figuras que compuseram o seu governo têm, aparentemente, maior capital político na esfera partidária. É verdade que, na última sessão do Comité Central, que decorreu em Maio, na Escola Central da Frelimo, na cidade da Matola, Nyusi promoveu uma série de mexidas nas brigadas centrais nas províncias, um acto que é entendido como meio de fortalecimento do seu poder, por um lado, e afastamento de potenciais “ameaças”, por outro. Ainda assim, a volatilidade dos fenómenos políticos sugere que nada pode ser dado como certo. Um palco de confrontação política Pela qualidade dos réus e declarantes envolvidos, o julgamento do caso “dívidas ocultas” é peculiar para grande parte da sociedade, mais do que um julgamento de supostos criminosos, estamos diante de um julgamento de supostos políticos criminosos. Mas, a reforçar a atenção sobre o caso está o facto de haver uma aparente guerra entre Armando Guebuza e Filipe Nyusi, com impacto em todo o Partido Frelimo, que anda abertamente dividido por dois, como já referimos. Neste capítulo, vale recuperar as palavras de Guebuza, supostamente proferidas em sede do Conselho de Estado, numa sessão que autorizou a PGR a ouví-lo. “Iremos prestar os esclarecimentos solicitados, sem, no entanto, deixar ficar a nossa desconfiança em relação à constante e desconforme actuação da Procuradoria Geral da República”, terá dito o ex-Presidente, em declarações reproduzidas por diversos órgãos de comunicação social. Armando Guebuza está convencido de que a PGR, dirigida por Beatriz Buchili, nomeada por ele próprio em 2014, está a dar seguimento a uma pretensa campanha de “assassinato político”. Em entrevista à DW África, o seu advogado, Alexandre Chivale, reforçou esta narrativa. “Eu não tenho a mínima dúvida de que estamos perante uma purga política e de uma politização da Justiça, de uma judicialização da política, e de que estejamos também face a uma verdadeira perseguição política. Estamos a usar a Justiça para atingir fins políticos”, declarou Chivale, que também denunciou um “esforço descomunal da Procuradoria Geral da República para proteger uns e prejudicar outros”. Sendo certo que não mencionou as pessoas a quem a PGR estaria supostamente a “proteger”, pelo encadeamento dos acontecimentos, a opinião pública não tem dúvidas de que se trata de Filipe Nyusi... leia mais em: 

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