Marcelino dos Santos, um dos fundadores da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), faleceu esta terça-feira aos 90 anos, anunciou Filipe Nyusi. Líder histórico foi também um dos símbolos do nacionalismo africano.
"Perdemos o nosso ícone, o camarada Marcelino dos Santos", disse esta terça-feira (11.02) o chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, no final de um comício em Pemba, província de Cabo Delgado, remetendo detalhes para mais tarde.
"Iremos nos organizar, como Governo, porque ele já foi proclamado herói nacional. Não esperámos que acontecesse o que hoje aconteceu para o declararmos nosso herói", concluiu.
Marcelino dos Santos, um dos símbolos do nacionalismo africano, também foi uma destacada figura na política de Moçambique - um "líder na sombra" dentro da FRELIMO. Um dos seus maiores contributos no pós-independência foi o seu papel preponderante na construção do Estado. Mas também não escapou a questionamentos em alguns momentos da história do país.
Símbolo do nacionalismo africano
O protagonismo que teve na construção do nacionalismo em África e na subsequente edificação dos movimentos de libertação fez com que o seu nome ultrapassasse fronteiras e conquistasse respeito. Marcelino dos Santos não pertence apenas a Moçambique. O destino apenas se encarregou de fazer com que nascesse nesse país a 20 de maio de 1929, no Lumbo, província de Nampula.
Foi um dos fundadores da FRELIMO, na altura a organização que combateu o colonialismo português em Moçambique. No pós-independência continuou a assumir posições de relevo quando a FRELIMO passou a partido e assumiu o Governo.
"E também imprimiu algo muito importante dentro da FRELIMO, que era o respeito pelas coisas públicas, o respeito por aquilo que era da organização, a disciplina, etc.", destaca o historiador Yussuf Adam.
O líder anti-líder
"Como dizia Aquino de Bragança", recorda o historiador, "Marcelino nunca foi presidente da FRELIMO, tinha as funções que lhe eram dadas e executava-as. Mas tinha uma grande característica: era o líder anti-líder, era aquele que conseguia dirigir sem ser chefe formal e isso é algo que realmente devemos a Marcelino dos Santos."
Escreveu os primeiros estatutos da FRELIMO, em consequência da união dos três movimentos nacionalistas: UDENAMO, MANU e UNAMO. Logo após a independência, Marcelino dos Santos foi o primeiro-ministro da Planificação e Desenvolvimento e foi igualmente presidente da primeira Assembleia Popular até 1994, ano em que Moçambique realizou as primeiras eleições da sua história.
Mas nem tudo correu sempre bem. Há episódios não devidamente esclarecidos na história do partido e do país que causaram suspeitas aos seus correligionários. "Marcelino foi o responsável do Plano Perspetivo Económico Indicativo, o grande plano de transformar Moçambique numa economia socialista. Mas é preciso ter cuidado com o que chamo de discurso público e o privado, porque a FRELIMO, de uma forma ou de outra, durante muitos anos teve uma gestão coletiva e as decisões eram coletivamente tomadas. No fórum privado poderá haver algumas coisas que poderiam ser menos abonatórias", lembra Yussuf Adam.
"O meu problema nunca foi o de ser Presidente"
Como no caso do nacionalista pesam mais os feitos do que os falhanços, na sua terra natal muitas pessoas se perguntaram por que motivo uma figura de peso como Marcelino dos Santos nunca chegou a Presidente. Sem nada que o comprove, especulava-se que por ser mestiço não podia, uma vez que seria rapidamente associado as colonialismo.
Numa entrevista à Rádio Nacional de Angola, em 2006, Marcelino dos Santos respondeu: "O meu problema nunca foi o de ser Presidente. Aliás, na FRELIMO nós temos uma maneira de ser que hoje ainda impera: a gente nunca decide o que quer. Eu sei que se falou muito [da possibilidade de suceder Samora Machel a quando da sua morte em 1986], mas o facto é que não fui. Eu sei lá [porque não fui eleito], vai perguntar aqueles que não me elegeram. Um dia vou explicar bem [estou a preparar as minhas memórias e vou fazer referência a isso], mas que fique bem claro que o que aconteceu, aconteceu corretamente, o facto de não ter sido presidente [da FRELIMO] quando Mondlane morreu e o facto de não ter sido Presidente [da República] quando Samora morreu]."
Nessa entrevista, Marcelino dos Santos mencionou ainda a frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht: "Felizes são os povos que não têm necessidade de heróis", que interpretou com um tempo futuro em que não seria preciso vanguarda, mas considerando que hoje ainda é preciso vanguarda.
Pelo contributo que deu ao seu país, a África e ao mundo não terá sido ele próprio um herói para povos infelizes? "Eu tenho um grande problema com este conceito de herói. Havia um grande poeta moçambicano que dizia que dizia que o herói serve-se morto, não quereria falar nisso, mas acho que ele é um exemplo a ser imolado em muitas coisas e provavelmente deve ser um elemento a não ser imolado noutras, mas é alguém que fez uma trajetória política de tantos anos, aguentou a FRELIMO nas piores das crises e sempre assumiu papeis importantes com outras pessoas e várias equipas da FRELIMO que fizeram as grandes transições", respondeu ainda o histórico da FRELIMO.
Marcelino dos Santos, o poeta
O seu combate não se cingiu ao campo político, a escrita também foi um instrumento que usou para combater, vestindo a pele de Lilinho Micaia e Kalungano. "Canto do Amor Natural" foi o único livro publicado com o seu nome Marcelino dos Santos.
Na época em que a poesia de combate era a onda em que os independentistas navegavam, publicou poemas no jornal Brado Africano em Moçambique e em duas antologias publicadas pela Casa dos Estudantes do Império, em Portugal.
Fonte: sapo notícias
Fotos: internet
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